Meus avôs maternos, José Maria e Maria Helena (ambos em memória), moravam em uma casa que toda criança gostaria de ter acesso. Tinha um terreno que, para noção de dimensão, tinham para mais de setenta coqueiros. O espaço era enorme! E pode ter certeza, eu, meu irmão e primos conseguimos brincar, correr e jogar bola em quase todo esse espaço. Aprendi lá também a andar de bicicleta.
Mas, não só foi esse espaço que me recordo, mas também a TV de tubo e um sofá na sala aonde assisti minha primeira partida de futebol: São Paulo x Barcelona pela Copa Intercontinental em 1992. Pois é, não foi um jogo qualquer. Fui muito feliz na primeira partida assistida e lembrada. O gol de Raí de falta na meta espanhola e o futebol objetivo e bem jogado de todo o time são paulino são muito marcantes nas minhas memórias.
E espelhou para o time de 1993, quando o mesmo venceu o time do Milan da Itália no mesmo campeonato. Este que não me lembro aonde assisti, mas, com certeza, não deixou de ser visto por minha pessoa.
E o que mais me lembro dessa geração do São Paulo, foi justamente que eu comecei a gostar de futebol de verdade. Claro, que meu pai não deixou que o contrário acontecesse. Ele nos levava para suas “peladas” duas vezes por semana aonde jogava conosco e bebíamos refrigerante nos campos.
Trazendo o São Paulo bicampeão continental e mundial para o contexto, quero destacar o quanto foi significativo essa “era de ouro” para captar mais um cliente (eu) para vislumbrar o futebol. E para completar, vi atletas comandados por Telê Santana nesses cenários descritos serem tetra campeões mundiais com o Brasil: Zetti, Cafú, Leonardo, Müller e Raí. Então, eu concluí na época: nosso futebol é o melhor do mundo!
Pois bem, é através dessa breve introdução que trago o título deste texto: o que foi que o legado do nosso professor Telê Santana (em memória) deixou para um garoto de 6 anos e lembra até os dias atuais? Para esse garoto e hoje representante patriarca de uma família só vem uma resposta na mente: identidade.
A partir dali, era possível ver a cada ano vendo equipes brasileiras (e do restante da América do Sul) batendo de frente com as potências europeias na Copa Intercontinental de clubes e poder assistir SEMPRE uma partida competitiva. Eu estive acostumado a ver times do mercado brasileiro a enfrentarem de forma igualitária os times campeões do velho continente. E a lista é grande: Grêmio (1995), Cruzeiro (1997), Vasco (1998) e Palmeiras (1999). Expando ainda minha opinião para os diversos clubes do mercado sul-americano, como o Vélez Sársfield (1994), River Plate (1996) e Boca Juniors (2000 e 2003).
Posso afirmar a você, caro(a) leitor(a), que todos esses times jogaram de forma extremamente competitiva aonde o objetivo era único: vencer! Mesmo com o número maior de títulos desse torneio indo para a Europa, os resultados eram muito inconclusivos antes das partidas começarem. Já um pouco diferente dos dias atuais.
Trago essa reflexão apenas para trazer minha observação que, no último dia 22/12/23, mais uma vez, os melhores times sul-americanos (e do resto do mundo) não foram páreos para o futebol europeu. Não conseguimos chegar nem perto de um placar favorável, mesmo tendo entre quinze a vinte minutos “envolvido” o time inglês.
Entendam, não estou falando que o Fluminense e Fernando Diniz jogaram mal! Não é isso. Até por que o futebol do time carioca jogado é o futebol atualizado que aprendi a ver de Telê Santana. E com características brasileiras!
Mas, mesmo assim, não foi o suficiente!
Podem até afirmar que este é o futebol jogado hoje, com toda a supremacia, investimento, estrutura e filosofia futebolística vindo da escola europeia, mas eu não estou acostumado a ver esse cenário. Quem sabe mais um tempo na frente, posso me acostumar caso essas exibições continuem acontecendo. Mas, posso garantir a você que o futebol sul-americano passava longe de ser o que é hoje no aspecto do campeonato mundial de clubes.
Pessoas mais experientes do que eu, na época do Flamengo (1981) e Grêmio (1983), podem ratificar minhas humildes palavras. Sem mencionar os times do Nacional (1980) e Peñarol (1982) e outros.
Desde a mudança do estilo de competição, em 2005, vejo uma curva de altos e baixos nos desempenhos de nossas equipes. Mais baixos do que altos. E não falo em ser campeão como destino final, mas sim enfrentar de forma igualitária os times representantes da UEFA.
As vezes, nem dos times de outras confederações conseguimos passar. Times esses que vem se fortalecendo cada vez mais e mostrando que em um curto espaço de tempo podem enfrentar com mais frequência as equipes de maiores escalões do futebol mundial, como os times do mercado da Arábia Saudita e Japão, por exemplo.
Se você me perguntar qual o motivo para isso, eu não vou conseguir falar de forma afirmativa e singular, mas apenas minha opinião com dois pontos que gostaria de compartilhar.
Primeiramente, e um fato simples de entender, é que nossos melhores a tempo não atuam em solo brasileiro. Muitos deles estão há bastante tempo atuando em outros mercados. O que enfraquece sim nossas melhores equipes. E o pior de tudo, percebo que aquela identidade brasileira que menciono no começo do texto para “viajar” com os atletas.
Outro ponto que também acredito negativo para o futebol sul-americano é que quando acontece o mundial de clubes, a Europa ainda se encontra na metade da temporada. E nós, estamos concluindo a nossa. Bom, consigo pensar no desgaste em vários aspectos para os atletas em final de temporada com a quantidade absurda de partidas jogadas durante a temporada. Desgastes físicos e mentais acredito que não permitam o futebol pleno jogado pelos atletas sul-americanos. Mesmo tendo profissionais extremamente qualificados para tais acompanhamentos, ainda não parecem ser suficientes.
Resumindo para finalizar, eu até aceito os fatos de hoje o futebol europeu ser o mais completo ao redor do mundo (com todos as características descritas acima), mas o que não aceito é ficarmos aceitando que eles sempre são melhores e já entrarmos no campo com um ar de derrotado. Isso tem acontecido ano a ano.
Eu simplesmente não aceito! Não aceito pelo fato de ter visto a essência que o professor Telê me acostumou a ver. Mostrar que não há time imbatível e que nós, brasileiros e sul-americanos, somos capazes de mostrar a nossa essência. Dentro e fora de campo.
Forte abraço e um feliz 2024!
Lucas Alecrim